Uma trabalhadora doméstica de 51 anos foi resgatada em condições análogas à escravidão na casa de uma família de classe média, em Manaus, após 34 anos de trabalho. Natural de Teresina, no Piauí, ela foi levada de casa aos 17 anos. O caso aconteceu em abril deste ano e divulgado nesta quinta-feira (28).
A ação foi realizada por integrantes da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT-AM/RR), Ministério Público Federal (MPF/AM), Defensoria Pública da União (DPU), Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF). O acesso à residência onde ela vivia e trabalhava foi feito com representantes do TRT 11 do Comitê Estadual Judicial de Enfrentamento à Exploração do Trabalho em Condição Análoga à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (COESTRAP).
Constatadas graves irregularidades e a necessidade de cessar imediatamente a prestação dos serviços, com a saída da trabalhadora da residência, foi providenciada acolhida em serviço de abrigamento de vítimas violência mantido por organização da sociedade civil que atua por fomento estatal.
Entenda o caso
A trabalhadora resgatada morava e trabalhava na casa em troca de comida, moradia, recebimento de roupas, novas e usadas, e salário, que não se comprovou superar o mínimo nacional. Além dos afazeres diurnos, a empregada dormia em sofá-cama no mesmo quarto da empregadora, para cuidados necessários a qualquer hora da noite, e não tinha local apropriado para guarda de objetos pessoais. Havia, ainda, limitação da liberdade de locomoção, que chegou ao ponto de controle das raras saídas nas noites de sábado.
Foi mantida por 34 anos em situação de emprego informal, sem garantia de salário-mínimo, sem receber 13º salário, sem limitação de horário de trabalho, sem concessão de folga semanal, sem gozo de férias anuais remuneradas com adicional de ao menos um terço, sem recolhimento ao INSS, sem depósito de FGTS, além de todos os demais consectários legais do vínculo de emprego.
A trabalhadora sequer completou o ensino fundamental. Paradoxalmente, a trabalhadora constava como sócia de uma escola de propriedade do filho da empregadora, sem que, de fato, exercesse a administração do negócio.
Após a inspeção, entrevistas preliminares e depoimentos colhidos no curso da ação, foi constatado que a trabalhadora doméstica estava sujeita a condições análogas à escravidão, em razão da submissão a condição degradante de trabalho, trabalho forçado e jornada exaustiva, condutas previstas no artigo 149 do Código Penal.
Termo de ajustamento de conduta
No dia 27 de abril aconteceu audiência na sede do MPT entre Procuradores do Trabalho, Defensoria Pública da União, Auditoria-Fiscal do Trabalho e integrantes da família da empregadora e advogada.
Os familiares reconheceram os débitos, concordando em formalizar o vínculo empregatício e firmar Termo de Ajuste de Conduta (TAC) junto ao MPT e DPU para pagamento de valores correspondentes às verbas trabalhistas e às indenizações por danos morais individuais.
Pelo acordo, os empregadores se comprometem a cumprir as seguintes obrigações: assinar Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS); registro do vínculo empregatício firmado em 1989; registro de horários de entrada e saída e período de repouso; concessão e pagamento de férias anuais; remuneração não inferior ao salário-mínimo nacional; depósito de FGTS; pagamento de 13º salário; e não manter empregado doméstico em condição de trabalho análogo ao de escravo.
Além disso, a família empregadora comprometeu-se a pagar o valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) para necessidades imediatas da empregada doméstica até o pagamento dos demais haveres trabalhistas. A título de indenização por dano moral individual, deve transferir a titularidade de imóvel para a empregada doméstica e disponibilizar valor de passagens aéreas de ida e volta para a trabalhadora visitar a mãe no Piauí. Por fim, para manutenção de empregado doméstico que resida e preste serviços na residência, devem garantir quarto privativo e a privacidade necessária durante descansos e folgas.